Tuesday, December 16, 2008

O Pintor

A caminho de casa passo por um atelier de pintura aonde durante 3 anos trabalhava um pintor solitário. Aquele local e aquele homem fascinavam-me, confesso. Vi durante imenso tempo um pintor entretido nas suas telas que desapareciam do espaço milagrosamente sem que eu nunca lá tenha visto algum cliente. O pintor, contudo, estava muitas vezes cá fora. Ou melhor, digamos que o pintor encontrava inspiração na ombreira da porta, aonde qual chaminé, fumava e esfarelava cigarrilhas e afins me lembram o cheiro que inunda as ruas de Amesterdão nos finais de tarde.


Do alto dos seus um metro e quase noventa (presumo), o pintor pesava uma boa metade de mim. As calcas, sempre pretas e sujas, escorregavam-lhe pernas abaixo. O rosto, pálido e cansado, ossudo, e um sorriso, sempre presente, que evidenciava uma boca amarela por vezes pincelada com o negro da podridão. Um desgracadinho, diriam lá na minha terra.


Durante 3 anos eu invejei um bocadinho da vida do pintor. Sim que eu sou rapariga para assumir que tenho inveja de quem tem vidas boas – que eu também tenho, eu sei. Sempre sem pressas seguia-me com o olhar a correr de um lado para o outro. Por vezes metia conversa, perguntava-me porque corro tanto, ou porque sorrio sempre. Um dia disse-me que me tinha usado como inspiração e mostrou-me a tela ainda meia pintada e já suja nos cantos. Ali estava eu, uma menina lá ao fundo num turbilhão de cores... Gostava do pintor, sorria-lhe e acenava-lhe todas as manhas, á tarde quando deixo o lab, ou quando a meio-gás saio para ir comprar qualquer coisa ao que em resposta o pintor me mostrava-me a dentadura amarela.


Um dia, no dia dos meus anos recordo-me, passei por ali com um saia mais atrevidota. Num rompante disse-me: “you’re beautiful, young lady” e eu corei de vergolha. Durante uns tempos perdi-lhe o respeito, qualquer mulher sabe do que falo. Mas por pouco tempo, perdoei-lhe o desvario e aos poucos voltei a acenar-lhe como dantes.


Na semana passada, depois de uns tempos fora, vi o atelier do pintor fechado. Estranho, pensei. Para onde terá ido? Depois assumi que estaria de férias...hoje encontrei um boquet de flores á porta do atelier e uma mensagem de pesar. O meu amigo pintor morreu. Tinha 40 e poucos anos e os pulmões cheios de fumo.

2 comments:

@me@@@ said...

adorei este post... é incrivel como pessoas que se cruzam no nosso dia a dia, ainda que sem grande importãncia façam sentir a sua falta quando partem... um adeus sincero para o teu amigo pintor!

Lua said...

Que triste :(

Mas fizeste-lo sorrir... e isso importa.